A primeira vez foi em 2001. Sempre que eu
não acompanhava as matérias, tirava menos que 5 nas provas, a minha professora
chegava com um bilhetinho na minha mesa e dizia que era para eu entregar para
minha mãe. Eu perguntava sobre o que era, se eu tinha aprontado algo, mas todas
as vezes ela dizia que eu não tinha feito nada. “Não é nada, só preciso falar
com a sua mãe. ” Ah! Tinha um detalhe. Nessa época eu estava na 1° Série do
Fundamental, só sabia escrever. Quando
nós estávamos entrando no 2° semestre e eu dizia pra minha professora que eu
não sabia ler, ela olhou pra baixo, triste, ficou em silêncio, como quem
disse-se “Oh! Pobre coitado, tem quase 8 anos e não sabe ler. ”
Eu sei que essa análise a princípio deve
soar meio egoísta, mas eu só cheguei a essa conclusão de que ela me via como um
pobre coitado quando ela entregava as provas de todo mundo menos as minhas, me
dava atividades diferentes dos meus colegas, não lembrava que eu usava muletas
e me esquecia na sala. Dentro do mundo de uma criança de 7 anos, eu achava isso
normal. “Ah, Normal! Os meninos surdos que estudam lá embaixo do lado do
banheiro são tratados mais ou menos assim, ouvi dizer lá na AACD que eles
também são deficientes. ”
Eu só fui me tocar que isso tudo era errado
quando uma professora nova da mesma escola me confundiu com um aluno surdo só
por causa das muletas. Não me perguntem como ela chegou a essa brilhante
conclusão porque até hoje eu nunca vi alguém que usar muletas por ser surdo.
- Oi professora G, esse é aquele seu aluno
meio burrinho né?
- É claro que eu sou burro, é você que me
dá aula!
Foi divertido, eu nunca tinha visto ninguém
tomar um susto por minha causa até aquele dia, a mulher ficou tão branca que
por um segundo parecia que a alma dela tinha saído correndo e esquecido de
levar o corpo junto. Eu me amarrei tanto
nisso, que até hoje quando eu ouço uma frase com a palavra “correr” e lento” no
meio, eu tento fazer uma piada.
Certo dia
- Terminem logo essa prova. Olha, eu sou
que nem uma velhinha na fila do INSS, quando eu me invoco eu saio CORRENDO e
ninguém me acha!
- Te entendo professora! :D
Quando era primeiro dia de aula de
professora nova
-Será que alguém poderia ir CORRENDO pra mim
até a xerox lá embaixo?
Daí eu gritava lá do fundo levantando o
braço: EU... QUE NÃO!
Uma vez eu soltei essa na 2° série, a
professora era nova e não sabia que eu estava aprendendo a andar. A coitada ficou com
tanta raiva de mim que queria, porque queria que eu fosse pegar a Xerox. Quando me levantei e comecei a andar na
direção dela perguntando se podia trazer as folhas de uma em uma, ela me pediu
desculpas e foi lá mesmo buscar as folhas. Nunca mais ela entrou na sala sem passar
antes na xerox, e sempre me perguntava se eu tinha entendido a matéria dela.
O que aconteceu com a professora que me
chamou de burro quando eu tinha 7 anos? Pediu demissão, a minha professora G.
tinha me pedido pra não contar nada a ninguém, mas quando isso chegou nos
ouvidos da direção da escola a Professora A. já tinha ido embora!
Como eu aprendi a ler? Como uma
fonoaudióloga na AACD chamada Andreia, faltando 3 meses pra completar 7
anos ela me ensinou a ler. Levei bronca, fui preguiçoso, até o dia em que eu
disse:
-Não consigo tia Andreia, eu sou muito
burro!
-João, burrice não é a falta de
conhecimento, isso é só um termo bobo que as pessoas inventaram pra dizer que
você não consegue fazer o que todo mundo tem dificuldade em fazer. Ninguém
nasce sabendo, pra todo mundo ler é difícil no começo, todo mundo já se sentiu
assim, inclusive eu. Além de que a sua deficiência não tem nada a ver com isso.
As suas notas na escola só dizem o que você sabe ou não sabe, e não o quanto
você é inteligente.
-Então quer dizer que o meu cérebro é burro
igual ao de todo mundo tia Andreia?
- Não, o seu cérebro não está no mesmo
lugar que o das pessoas burras de verdade João!
- Ué, cadê ele então?
- No seu coração!
Eu nunca mais vi a Andreia depois que ela
me ensinou a ler, as pessoas dizem que comigo o processo foi mais rápido porque
eu já sabia escrever, o engraçado é que as pessoas que dizem isso até hoje, são
as mesas pessoas que poderiam me ensinar a ler e não conseguiram.
Bem depois é que eu fui entender o que a
Andreia quis dizer com tudo isso. Se você tem a inteligência no coração as
pessoas que ouvem com o coração te entendem, porque elas têm consciência de que
só possuem um raciocínio “adulto” apenas naquelas áreas nas quais foram
socializadas. Então não é demérito nenhum confundir alguém com um surdo se você
não convive com deficientes O problema é as pessoas acharem que você é incapaz,
só porque te percebem como incapaz, pelo simples fato de nunca terem convivido
com você.
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